sexta-feira, 19 de junho de 2009

Cultura são todos os nossos gestos


Gilberto Gil*

“O fato de as pessoas viverem em comunidade e terem que se falar, que se comunicar, a troca de sentimentos, pensamentos, angústias, dúvidas, ambições, dúvidas diante da morte, eternidade, diante de Deus. [...] Uma das atividades básicas é o esforço permanente de fazer compreender aos nossos homens, mulheres, jovens e crianças que cultura é isto, é este conjunto da produção humana para o homem.

A produção da ciência, do conhecimento, da máquina, dos braços, das pernas, dos pés... Aquilo se faz com os pés, com as mãos. Não preciso nem falar dos fenômenos culturais extraordinários, Pelé e Garrincha. Ainda que eles queiram se confinar ao mundo dos esportes, são mais que isto, são cultura. O peixe pintado que acabei de comer, o surubim, ele é natureza, mas o prato que comi é cultura. O tempero que se misturou a ele, a temperatura da brasa que o assou, a forma de extrair o óleo que o fritou, a forma de fazer o licor de pequi que bebi, logo após a refeição, tudo isto é cultura. Este é o problema, aspectos de nossa santa ignorância que precisamos vencer.

Fomos condicionados a entender cultura como sendo a música que vem da Europa, o balé que vem da Rússia, a música que vem dos Estados Unidos, o jarro de flores que ornamenta as salas das elites. E não é. Cultura é muito mais que isto. Cultura são todos nossos gestos, nossa vela acessa aos pés de São Benedito, o nosso encontro, o nosso diálogo. [...]

Estava comentando outro dia os aparelhos de cassete, DVD, televisores – importantes itens da economia, da produção – não existiriam se não fosse o desejo, a necessidade, que é do imperativo cultural, que é a comunicação. Os pneus da Pirelli ou Michellin, grandes conglomerados internacionais, riquíssimos, não existiriam se não fosse para nos transportar, seres humanos, em nosso afã, nossa ânsia de encontrar o outro em outro lugar. Todos os itens importantes da economia, aviões, caminhões, tudo. Não se produz nada neste mundo, não se fabrica nada neste mundo, não se inventa nada neste mundo que não seja por um propósito cultural. [...]

Toda esta consciência é nosso mundo cultural, portanto, todas nossas relações humanas, todas nossas relações técnicas, todas nossas relações políticas, tudo isso tem que ser pensado, sentido e vivido como dimensão cultural.”

"Fomos condicionados a entender a cultura como sendo a música que vem da Europa, o balé que vem da Rússia, a música que vem dos Estados Unidos, o jarro de flores que ornamenta as salas das elites. E não é. Cultura é muito mais do que isto. Cultura são todos nossos gestos, nossa vela acesa aos pés de São Benedito, o nosso encontro, o nosso diálogo [...] . Isto tudo é Cultura".

* Ex-Ministro da Cultura do Brasil. Texto proferido na 1ªConferência Nacional da Cultura 2005-2005.

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